segunda-feira, 19 de setembro de 2011

À hora de almoço na cantina

Um dia ela chegou à cantina para almoçar. Fez tudo tal e qual da mesma maneira. Primeiro a sopa e sentar à mesa. Sentou-se. Naquele dia não lhe apeteceu companhia à mesa e começou a comer. À primeira colherada notou algo de estranho. Não, com a sopa não. À volta dela. Um barulho estranho. Como se o ruído de fundo tivesse conquistado a sala. Posou a colher. Estava a ouvir as pessoas a falar mas não entendia nada do que diziam. Não é que não entendesse as palavras, que entendia. Também não era que não entendesse as frases, que entendia. Entendia as palavras e as frases que estas formavam. E era isso que a estava a deixar ainda mais confusa. Entendia palavras e frases mas não compreendia nada. Não compreendia nada do que as pessoas estavam a dizer. Mais estranho ainda o facto das pessoas parecerem não reparar. Falavam umas com as outras como se tudo fizesse sentido. Como se estivessem a ter uma conversa. Umas com as outras. Falavam como todos os dias. A pensar que conversavam. Mas ela percebia que não estavam a conversar. Ora, como isto era uma coisa muito estranha para ela, para ela e provavelmente para toda a gente, tentou aproximar-se de um grupo que falava animadamente. Era um grupo que ela já tinha visto por ali, 3 mulheres e 2 homens. Deviam trabalhar no mesmo sítio, ela não sabia, e para o efeito pouco importava. Escutou. E realmente ouviu as palavras e as frases que lhes saíam da boca mas não compreendeu nada do que diziam. Percebeu também que se se concentrasse numa só pessoa de cada vez conseguia entender a conversa que essa pessoa estava a tentar ter. E ainda percebeu mais. Que cada pessoa estava a falar sozinha só que acompanhada. Uma das mulheres falava das telenovelas que tinha visto na noite anterior, a outra respondia-lhe com o colégio dos filhos e a terceira com uma mala fantástica que o marido lhe tinha dado na noite anterior. Os homens também não se safavam. Mesmo que se pense que a um jogo de futebol um homem responde sempre com futebol, naquele caso, ao último jogo do Benfica que um dos homens viu, o outro respondia-lhe com o chefe que lhe estava a dar cabo da cabeça. Ui que grande confusão, isto ontem não estava assim, pensou ela. Mas quando pensou um bocadinho mais, quando se concentrou nas conversas da cantina, percebeu que afinal isto já é assim há muito tempo, só que ela ainda não tinha reparado. Talvez andasse a fazer o mesmo. O mais provável seria isso mesmo. Mas, por qualquer motivo, naquele dia não lhe apeteceu não conversar. E quando meteu a próxima colher de sopa à boca já estava fria.