quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Num segundo

Quantas barreiras temos nós?

Cada um de nós?

Com quantos muros nos conseguimos proteger?

Não tem a ver com o que dizer

Tem a ver com o sofrimento incalculável que se pode sentir

Tem a ver com ter tudo despedaçado cá dentro

Destruído

Completamente morto e acabado

porque não se sabe avançar desta maneira

Tem a ver com vir um dia e outro e outro

e a realidade não se alterar

e ter de viver com esta realidade que não se quer aceitar

e ter de viver da mesma maneira quando nada pode ser, outra vez, da mesma maneira

Quando há perdas que são incalculáveis e que fazem morrer uma parte de nós

Porque não somos compostos só por nós

Somos compostos por todas as pessoas que nos pertencem

e morrer uma delas é morrer-nos um bocado

como ficar sem um braço ou uma perna para andar

E a ideia horrível de ser para sempre

e de não haver volta a dar

A ideia horrível do fim

do ser assim e pronto

e do termos que aceitar

A ideia horrível de mesmo assim termos de continuar

porque para nós ainda não acabou.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

35

Caneco, 35! Ah não faz mal. Ah é tão giro. Ainda és tão nova. Vá lá, deixa-te lá dessas coisas. Uma pinóia.! Giro uma pinóia! Deixo-me de coisas uma pinóia! Deixem-se de tretas. Não me digam que gostam de ver o tempo a passar. Anos e anos e anos, uns atrás dos outros. Não sei o que fazem com os vossos, mas eu cá gosto de aproveitar os meus e por isso não gosto que passem. Para ter ainda muito tempo para fazer muita coisa. Tanta coisa. Depois como é que tenho tempo? Ah então não tens? Ah ainda és tão nova. Pois sim, mas sou menos do que o ano passado. Pois. Nem é o problema das rugas, vá. É o tempo. O tempo que não pára. Que anda e anda e anda. E nós com ele. Atrás dele. A correr sem o apanhar. E só damos conta que não o apanhámos nos aniversários. Mais um. E outro. E toma lá mais um, para veres que ando sempre à tua frente. O tempo. Malandro.

À hora de almoço na cantina

Um dia ela chegou à cantina para almoçar. Fez tudo tal e qual da mesma maneira. Primeiro a sopa e sentar à mesa. Sentou-se. Naquele dia não lhe apeteceu companhia à mesa e começou a comer. À primeira colherada notou algo de estranho. Não, com a sopa não. À volta dela. Um barulho estranho. Como se o ruído de fundo tivesse conquistado a sala. Posou a colher. Estava a ouvir as pessoas a falar mas não entendia nada do que diziam. Não é que não entendesse as palavras, que entendia. Também não era que não entendesse as frases, que entendia. Entendia as palavras e as frases que estas formavam. E era isso que a estava a deixar ainda mais confusa. Entendia palavras e frases mas não compreendia nada. Não compreendia nada do que as pessoas estavam a dizer. Mais estranho ainda o facto das pessoas parecerem não reparar. Falavam umas com as outras como se tudo fizesse sentido. Como se estivessem a ter uma conversa. Umas com as outras. Falavam como todos os dias. A pensar que conversavam. Mas ela percebia que não estavam a conversar. Ora, como isto era uma coisa muito estranha para ela, para ela e provavelmente para toda a gente, tentou aproximar-se de um grupo que falava animadamente. Era um grupo que ela já tinha visto por ali, 3 mulheres e 2 homens. Deviam trabalhar no mesmo sítio, ela não sabia, e para o efeito pouco importava. Escutou. E realmente ouviu as palavras e as frases que lhes saíam da boca mas não compreendeu nada do que diziam. Percebeu também que se se concentrasse numa só pessoa de cada vez conseguia entender a conversa que essa pessoa estava a tentar ter. E ainda percebeu mais. Que cada pessoa estava a falar sozinha só que acompanhada. Uma das mulheres falava das telenovelas que tinha visto na noite anterior, a outra respondia-lhe com o colégio dos filhos e a terceira com uma mala fantástica que o marido lhe tinha dado na noite anterior. Os homens também não se safavam. Mesmo que se pense que a um jogo de futebol um homem responde sempre com futebol, naquele caso, ao último jogo do Benfica que um dos homens viu, o outro respondia-lhe com o chefe que lhe estava a dar cabo da cabeça. Ui que grande confusão, isto ontem não estava assim, pensou ela. Mas quando pensou um bocadinho mais, quando se concentrou nas conversas da cantina, percebeu que afinal isto já é assim há muito tempo, só que ela ainda não tinha reparado. Talvez andasse a fazer o mesmo. O mais provável seria isso mesmo. Mas, por qualquer motivo, naquele dia não lhe apeteceu não conversar. E quando meteu a próxima colher de sopa à boca já estava fria.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A mancha negra

Mas e quando o medo aparece?
Quando me congela, me paralisa, me confunde. Quando me faz entrar em guerra comigo própria. Quando me divide ao meio. Exactamente ao meio.
E quando o medo aparece faço o quê? O medo que me surge como uma mancha negra que distorce a minha vida. A minha realidade. A realidade que construi, que finalmente consegui. A realidade que quero. Que desesperadamente não quero perder. O medo que me aparece como a incerteza, a instabilidade, a troca, a mudança. A falta de controlo. O medo que se transforma na forma de uma escolha imposta. O medo que me mostra o que eu não acredito existir. Mas que quer vencer esta batalha a todo o custo. O medo que me cria inseguranças, desconfianças, que me baralha as ideias, que me conduz na direcção do que já é. Que não me deixa correr riscos, que me puxa para trás. Uma e outra vez, até eu já não conseguir dar-lhe a volta.

Mas. A desconfiança. A desconfiança sentida de que o medo está errado. De que me está a distorcer as ideias, de que apenas me mostra a realidade que eu não quero ver. De que está a complicar, a ampliar, a baralhar, a confundir. Até eu não ser capaz de resistir. Até ser demasiado cansativo para continuar.
A sensação de que o que está para vir pode ser bom. Que pode ser exactamente o que eu quero. O que eu preciso. Mesmo que seja diferente da minha realidade, do meu hábito, da minha rotina, do meu universo. Mesmo que me desafie a toda a hora. Mesmo que me obrigue a ajustar. Mesmo que exija coisas diferentes de mim. Mesmo que a toda a hora me mostre a diferença. Mesmo que me faça questionar. Que me faça comparar. Avaliar. Ponderar. Tentar perceber. A toda a hora.
A sensação de que isso não é nada comparado com tudo o resto. Com o que recebo. Com a possibilidade de ser tudo e não só uma parte. Com a liberdade e o entendimento que me traz. Com os novos caminhos por onde me leva. Com a alternativa que me apresenta. Com o novo equilíbrio que posso ser.

Olhos de mel

Quando não é obrigado que se diz.
Porque não é dizer obrigado que se sente.

Quando quero dizer alguma coisa mas incrivelmente todas as palavras já desapareceram. Quando as adendas não me fazem sentido. Quando não tenho nada para por em palavras. Porque já não são precisas palavras. Porque há coisas que ficam guardadas na minha história. Em mim. Que se colam e que não me largam pela vida fora. Que me relembram. Que me põem um sorriso nos lábios. Que me mostram o caminho. Porque uma vez me mostraram a luz ao fundo do túnel. E para isso não há obrigado que chegue.