quinta-feira, 30 de junho de 2011

Naquela manhã acordou novamente com o gosto a azedo na boca. Sentiu-o mal acordou. Já não era frequente mas ocasionalmente ainda acontecia e quando acontecia era mau. Precisava sempre de uns minutos para o fazer desaparecer. A melhor maneira era começar o dia. Fazer arrancar a rotina. As coisas reais de todos os dias. Foi tomar duche e preparar-se para sair. Era um dia cheio e não queria atrasar-se. Arranjou-se como de costume, vestiu-se como de costume, deu comida aos peixes como de costume, fechou a porta como de costume. Mas por qualquer razão naquele dia o gosto azedo na boca não passava.

Ela estava habituada a esse gosto. Ela sabia que em alturas de maior pressão ele podia aparecer. O azedo vinha das imagens que ela via. Das imagens que lhe apareciam à noite. Sempre iguais. Uma e outra vez. Uma e outra vez as mãos que a agarravam. Uma e outra vez as palavras que a impediam de avançar. Uma e outra vez a opressão. A obrigação. O pânico de estar num beco sem saída. O pânico de não conseguir livrar-se. De não conseguir fugir.

Na primeira vez que aconteceu ela ficou assustada. Mais do que o gosto a azedo sentiu o medo da possível realidade. Acalmou quando percebeu que as imagens apenas estavam na sua cabeça. Os sons. Que não a deixavam fugir. Que a prendiam e a agarravam a uma realidade que já não era a dela. Mas que não a deixavam esquecer que um dia fora.

Nessa primeira vez bastaram 5 minutos para o alívio lhe enfraquecer o coração de agradecimento. Apenas em 5 minutos tudo desapareceu, as imagens e com elas o gosto. Apenas em 5 minutos tinha regressado à sua realidade.

Mas isso foi da primeira vez. Depois dessa muitas houve. Ela acabou por se habituar porque sabia que o azedo era o gosto do medo. E ela só tinha medo quando não estava acordada. O azedo desaparecia em 5 minutos e com ele o medo. Mas desta vez, desta última vez, os 5 minutos não foram suficientes.

O dia passou. Um dia em tudo normal para ela, menos no sabor que nem por um segundo a abandonou. Menos no medo que o sabor lhe trazia. No medo que crescia com a permanência do sabor. No medo que desta vez existia com ela acordada.

Não tinha alternativa. Sabia que não queria viver com esse gosto, com esse medo. Sabia que o azedo já não fazia parte da sua vida. Sabia que nunca permitiria que voltasse e invadisse a sua realidade. Tinha que o matar. Acabar com ele de uma vez por todas. E este seria o dia.